O Conforto Perigoso da Servidão Voluntária
- Adriana Andreose
- 31 de mar.
- 2 min de leitura
Quando ouvimos a palavra “submissão”, o que realmente nos vem à mente? Ainda hoje, mesmo após décadas de luta por igualdade, há um silêncio desconfortável — principalmente entre nós, mulheres da segurança pública. Inseridas num sistema hierárquico herdado dos militares, convivemos diariamente com uma estrutura onde a obediência é esperada... e a submissão, muitas vezes, naturalizada.
Mas o que acontece quando essa submissão deixa de ser imposta e passa a ser aceita de forma voluntária? Quando o peso da hierarquia se torna um hábito, e o hábito, um conforto?
Nosso ambiente profissional é recheado de pequenas humilhações travestidas de brincadeiras. "Faz um café pra mim?", "Pode varrer minha sala?", "Ah, TPM? Isso é frescura!"... São frases ditas com sorriso no rosto, como se fossem inocentes, mas que carregam a essência da desvalorização cotidiana da mulher.
Pior ainda é perceber que, muitas vezes, somos nós mesmas que damos permissão para esse ciclo se perpetuar. Culpamos a tradição, o medo da mudança, o conforto da rotina. Preferimos o chefe abusivo à incerteza de um novo setor. Aceitamos a piada machista em troca de "aceitação no grupo". E quando nos queixamos, logo pensamos: "Melhor isso do que criar confusão".
A verdade é que a liberdade assusta. Porque ela vem sem garantias. Porque ao abandonar a servidão, nos vemos obrigadas a lidar com a responsabilidade das escolhas. E sim, a liberdade cobra. Mas a servidão cobra ainda mais — cobra nossa saúde emocional, nossa dignidade e, muitas vezes, nosso senso de identidade.
Não se trata de uma crítica vazia à hierarquia. Ela é necessária em qualquer instituição disciplinada. Mas a hierarquia não pode ser desculpa para o silenciamento, para o abuso ou para a exclusão.
A pergunta que deixo é: por que aceitamos isso?
Aceitamos porque é mais fácil seguir o fluxo do que remar contra. Porque crescemos ouvindo que “mulher precisa aguentar mais”. Porque muitas de nós aprendemos a confundir respeito com silêncio, e força com resignação.
Mas já passou da hora de interromper esse ciclo.
Precisamos reaprender a enxergar o tirano — não apenas aquele que nos impõe regras injustas, mas também o que se esconde em nossas próprias concessões. Precisamos romper com a lógica de que "sempre foi assim", porque isso só perpetua a ausência de mulheres em cargos de liderança, a sobrecarga emocional silenciosa e a cultura de que ser mulher na segurança pública é sinônimo de aguentar tudo calada.
A servidão voluntária tem muitas formas: o medo de mudar de setor, o receio de denunciar, o silêncio diante da injustiça. Mas é preciso coragem para questionar, romper e recomeçar. Porque a liberdade pode ser incerta, mas a servidão tem uma certeza cruel: ela nunca vai querer menos de você — ela sempre vai querer mais.
É hora de fazer diferente. Não para sermos aceitas. Mas para sermos respeitadas.

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